Porto Alegre, 8 de abril
de 2014.
A Sua Excelência o Senhor
Eduardo de Lima Veiga
Procurador-Geral de Justiça
Porto Alegre, RS
Senhor Procurador-Geral:
Em 10 de julho de 2013, na esteira das
mobilizações populares que sacudiram o Brasil protestando inicialmente contra
os altos preços das passagens de ônibus e expandindo-se para uma infinidade de
demandas, entre elas a participação da sociedade nas decisões que lhe dizem
respeito, centenas de manifestantes, especialmente estudantes ligados ao
movimento Bloco de Luta pelo Transporte Público, ocuparam a Câmara Municipal de
Porto Alegre reivindicando controle público do sistema de transporte,
transparência nas planilhas de cálculos, redução das tarifas de ônibus e
instituição do passe livre estudantil na cidade
Reconhecida como um ato político legítimo
norteada pelo direito constitucional à livre manifestação do pensamento, a
ocupação recebeu apoio de entidades sindicais, de classe, sociais e estudantis,
sendo em número de 19 as entidades que espontaneamente colocaram-se no polo
passivo da ação de reintegração de posse ajuizada em seguida pela Câmara.
Enquanto alguns vereadores tentavam mediar a
situação, dialogar com o movimento em busca de solução para a desocupação pacífica,
a maioria dos vereadores abandonou a
Câmara e, à distância, pressionava para um desfecho tumultuado.
A desocupação, em 17 de julho, decorreu de
acordo judicial e foi acompanhada pelo Ministério Público, pela OAB, pela Juíza
da 1ª Vara da Fazenda Pública e pela Mesa Diretora, com verificação coletiva
das condições do prédio e protocolo das propostas elaboradas pelo movimento em
seminários sobre transporte que realizaram na Câmara durante a ocupação.
Em que pese todo este processo, em agosto, um
grupo de vereadores da base aliada requereu a instalação de comissão
parlamentar de inquérito para apurar e comprovar suas teses de que se tratava
de invasores violentos e contraventores.
Apresentado o relatório da chamada CPI
da Invasão da Câmara, feita discussão sumária pelos participantes e impedida
esta vereadora - por decisão do presidente – de intervir mais do que cinco
minutos questionando-o, e de ter apenas 2 horas para apresentar um voto
separado que pudesse cotejar documentos e depoimentos com as patéticas e
inverídicas afirmações do relator - comprovou-se a completa falta de seriedade
e a clara intencionalidade (e frustrada tentativa) de produzir uma versão que
comprovasse, nas palavras do relator, já afirmadas no plano de trabalho
inicial: grave restrição à liberdade de imprensa, danos ao patrimônio público,
profanação de símbolos religiosos, prática de atos libidinosos e ofensa à moral
e bons costumes, subtratação de bens imóveis, facilitaçãoo ao tráfico e consumo
de drogas, atentado à democracia, ameaça e lesão corporal e exploração de
menores - utilizar crianças como cordão de isolamento.
O relator, que afirma
que a “descrição dos fatos que melhor retrata o ocorrido”, encontra-se na ação
de reintegração de posse e notícia crime encaminhadas ambas pelo presidente da
casa, faz claramente uma opção pela versão de uma das visões do ocorrido,
ignorando por exemplo, a certidão emitida pelos oficiais de Justiça Vladimir
Figueira Gaspar e Jose Gabriel Irace que informa à Juiza que “havia cerca de
400 pessoas no local, grande parte jovens, os corredores do prédio estão
limpos, gabinetes fechados, mas segundo eles não houve nenhuma invasão, havia
uma placa na porta da entrada principal a qual dizia “que há um acordo coletivo
para não haver depredação”, “outros espaços estavam limpos, não havia pixação,
o patrimonio estava integro, os cartazes, todos eles estavam fixados com fitas
durex e alguns pendurados em fio com prendedores, todo o lixo devidamente condicionado
em sacos plásticos, o equipamento de informática estava aparentemente integro,
e somente um computador e uma impressora estavam sendo utilizados pelos
invasores”.
É tão escancaradamente
parcial a escolha das versões que a grande maioria dos requerimentos
apresentados por esta vereadora - única na CPI de oposição e contrária a
criminalização daquele movimentos - não foi sequer analisada e nem os
documentos apensados foram considerados. É inaceitável, por exemplo, que o
Relatório aponte como responsáveis para ressarcir os cofres públicos dos
alegados e não comprovados prejuízos, as 19 entidades arroladas, quando esta
Vereadora requereu por escrito a oitiva destas entidades e a maioria da CPI
rejeitou. Como podem ser agora apontadas como responsáveis por prejuízos, se a
CPI se negou a ouvi-las?
Exame minucioso dos
depoimentos das testemunhas arroladas pelos próprios acusadores, demonstram que
são inverídicas ou não comprováveis as acusações a que chegam. Documentos
desmoralizam o relatório como o caso da suposta bomba: o alegado artefato
explosivo, que estaria com uma bomba acoplada, que seria de posse dos
ocupantes, resumiu-se na verdade, a uma garrafa com gasolina. encontrada
embaixo de um carro, na parte externa da câmara, como consta na ocorrência
policial nº 15.344 de 29/07/13, não havendo identificação ou prova de que o
mesmo seria dos ocupantes e nenhum registro de “bomba acoplada” a que se refere
explicitamente as conclusões finais do relator.
Resta, diante de tantas
evidências do grande esforço de deslegitimação do movimento, concluir que as
pautas que trouxeram a Câmara é que eram “perigosas” por pretender privilégios
e lucros não controlados pela sociedade! “Perigosas” por questionar a
impermeabilidade do parlamento às demandas dos movimentos e exigir diálogo
verdadeiro com a cidadania e alteração de políticas, a partir deste diálogo. E
nós, que entendemos que os avanços sociais no sentido da justiça e direitos se
darão com a participação ativa da cidadania, repudiamos a criminalização da manifestação
desta cidadania e seguimos perseguindo a pauta de um transporte público de
qualidade e acessível.
São estas considerações
que faço, para as quais solicito sua habitual atenção quando o expediente da
CPI aportar neste Ministério Público, sem prejuízo daquelas que a competência
dos promotores identificaram como descabidas. Junto a elas documentos
comprobatórios: Agravo de Instrumento apresentado por 19 entidades, certidão
dos oficiais de justiça, despacho judicial e Termo de Audiência da ação de
reintegração de posse, requerimentos apresentados na CPI que foram
desconsiderados, ocorrência policial da localização da garrafa pet com
gasolina, Relatório Final da CPI e Razões do voto em separado desta vereadora.
Sendo o que havia para o momento,
renovo votos de admiração.
Vereadora
Sofia Cavedon
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