terça-feira, 28 de junho de 2011

Carta da Liberdade

Nos poucos dias à frente da Prefeitura Municipal, momentos em que ficam aguçados meus sentidos, aumentado ainda mais o senso de responsabilidade com o mandato concedido pelo povo, são como se tudo se tornasse urgente e contundente.

Desta vez, a Vila liberdade pediu socorro. Desta vez, não, mais uma vez! Ciente de que uma das pautas era a falta de água, chamei o DMAE e fomos visitá-la. Seguindo o “mangueirão”, como o fio de Ariadne, fomos entrando no labirinto inescrutável da capacidade de sobrevivência humana.

Nos ossos, na pele, na memória, na consciência, carregamos as imagens da sempre surpreendente disposição para brincar das crianças, abstraindo o entorno: se há uma tabuinha no meio do lodo, ali elas giram o pião. Se há um canto seco na casa, cercado de roupas empilhadas, ali elas viram cambalhotas. Se há uma televisão na cômoda que escapou das goteiras, em frente a ela viajam, brincam, participam da vida que as imagens e sons apresentam.

O “mangueirão” nos leva a incontáveis maneiras de lavar e secar roupas que valorosas mulheres teimam em fazer, sem uma nesga de sol, em exíguos espaços. Pelos acessos estreitos pisamos no esgoto e no barro, driblados com tapetes velhos, lixo, tábuas, mas só vamos enxergar a verdadeira dimensão desta umidade e contaminação quando espiamos embaixo dos assoalhos – de quem os tem – e ali há muito mais!

Era sábado pela manhã e todos os adultos daquele labirinto estavam envolvidos na luta pela sobrevivência. Em muitas casas, só as crianças nos espiavam. Élida, a líder comunitária que nos guiava pelos vestígios do mangueirão, em cada casa, para a assembleia de moradores que aconteceria na segunda-feira, onde mais uma vez, avaliarão os passos para a conquista da urbanização, da moradia digna, do acesso à água limpa, ao solo seco, à luz elétrica para o tão sonhado banho quente. 

“A palavra arrasta o povo” dizia Nejar, a certeza dos direitos naquela Vila que chamaram Liberdade, arrasta a esperança que eles mantem viva com a luta. Lá, eles vencem um Minotauro por dia, o difícil é sair do labirinto da absoluta falta de investimento, da desigualdade perpetuada pela materialidade da vida.

O dístico “minha casa, minha vida” nunca ganhou tanta significação, tanta urgência, tanta denúncia. É o sonho que faz com que o fio da luta não se parta e leve finalmente à saída do labirinto. O insaciável Minotauro derrotado por Teseu, com suas novas faces contemporâneas e sua capacidade de reinvenção, não está assombrando só na Liberdade! Terá que ser derrotado pela coragem e teimosia dos que não se acomodam apenas alimentando o monstro!


Sofia Cavedon - Vereadora PT/PoA

28 de junho de 2011

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