Cumprindo seu papel de integrante da Sociedade Civil organizada que atua na busca do aprimoramento da Saúde Pública e, especificamente, no enfrentamento da epidemia de HIV/aids e na defesa dos direitos e qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA), o SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade manifesta publicamente algumas considerações para reflexão e análise quanto ao uso de Testes Rápidos (TR) para o diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV.
Inicialmente, afirma-se o reconhecimento da importância das tecnologias avançadas que agilizam o diagnóstico de tal infecção, com a devida qualidade, como os TR, cujos resultados equivalem aos alcançados através dos métodos laboratoriais convencionais.
Da mesma forma, reconhecemos a importância do diagnóstico precoce de qualquer patologia, desde que seja acompanhado pela devida assistência e terapêutica. No caso do HIV, quanto mais antecipada a diagnose, usando a metodologia convencional ou os TR, melhores as possibilidades de acompanhamento e de intervenção com sucesso sobre o curso da infecção.
Evidentemente que, aqui, nem se cogita a liberação dos TR para uso individual, com acesso comercial ao produto por qualquer interessado, fora do ambiente dos serviços de saúde: estamos tratando do seu uso a partir de iniciativas do Poder Público.
O Programa Nacional de DST e Aids (PN DST/Aids), do Ministério da Saúde, em particular através da campanha Fique Sabendo, tem reiterado a ampliação do acesso ao diagnóstico da infecção pelo HIV, como estratégia para interromper a cadeia de transmissão da infecção e de consequente suporte aos infectados.
No entanto, a oferta desse diagnóstico às populações com dificuldades de acesso à rede assistencial do SUS, diante da deficiências dessa própria rede, ou, ainda, tal oferta às populações itinerantes, em circunstâncias de eventos como shows musicais ou de moda, ou mesmo durante o Carnaval, pode colocar em risco as vantagens desta intencionalidade.
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), através do Programa Conjunto de HIV/aids das Nações Unidas (UNAIDS), tem insistido na importância de que a oferta de testes anti-HIV seja ampliada ao maior número possível de pessoas, desde que solidamente acompanhada de confidencialidade, aconselhamento e consentimento. E, ainda, em respeito aos direitos civis e humanos, que aqueles cidadãos com diagnóstico da infecção tenham acesso a adequados serviços de saúde, dotados de qualidade e resolutividade.
O diagnóstico da infecção pelo HIV deve ser seguido do devido tratamento, incluindo não só apenas consultas médicas, mas exames laboratoriais periódicos de contagem de carga viral e de linfócitos CD4, entre outros; além do eventual acesso a medicamentos e encaminhamentos multiprofissionais, conforme orientação do próprio PN DST/Aids.
A questão que persiste, então, é a de como os locais existentes na rede pública, sem apropriada infra-estrutura assistencial, poderão dar conta de uma assistência de qualidade às PVHA?
Com o uso dos TR, a única questão acelerada é o tempo do diagnóstico, às vezes sem a conveniente avaliação por parte do usuário quanto à testagem a que se submete. Sem a necessária avaliação de seus riscos frente à infecção e alternativas de sua superação, e ainda, num cenário menos favorável, sem a devida avaliação do impacto desse diagnóstico em sua vida.
O uso dos TR só tem sentido em situações especiais e urgentes, como nas maternidades, para evitar a transmissão vertical do HIV ou, ainda, diante da potencial transmissão do vírus em acidentes com material biológico, e outras situações emergenciais similares.
Seu uso não deve ser banalizado, nem adotado em situações de rotina, correndo o risco de provocar retrocessos indesejáveis frente aos avanços já alcançados, transformando a oferta dos testes anti-HIV num mero procedimento laboratorial. O caráter diagnóstico desses testes, independente da metodologia utilizada, precisa incluir ações de aconselhamento e de inserção efetiva na rede assistencial, sob a ótica da integralidade.
Por outro lado, adotar a estratégia de identificar as PVHA para controlar ou interromper a transmissão do HIV, corre o sério risco de responsabilizar essas pessoas pela epidemia, favorecendo uma indesejada e perversa subjetividade de sua culpabilização, que há muito deveria estar superada. A compreensão lógica e alicerçada em princípios éticos nos mostra que a interrupção da transmissão do HIV e da epidemia da AIDS depende dos cuidados de todos nós, e não apenas daqueles infectados.
Por fim, entendemos que, se existem deficiências na consolidação efetiva do SUS, compete aos seus gestores ampliar sua capacidade de resposta frente às questões associadas ao HIV/AIDS, contando com o apoio do conjunto da sociedade.
De qualquer forma, esse tema requer amadurecimento e reflexão e, para tanto, o SOMOS torna públicos estes questionamentos, na pretensão de estimular a reflexão coletiva e de sensibilizar os gestores do SUS a adotarem posturas mais coerentes com suas diretrizes, evitando que os TR e o diagnóstico da infecção pelo HIV se transformem em ferramentas equivocadas de estigmatização de grupos e indivíduos, sem levar em conta outros aspectos importantes associados às vulnerabilidades e à epidemia de HIV/aids no Brasil.
Fonte: SOMOS - COMUNICAÇÃO, SAÚDE E SEXUALIDADE
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