O que leva um grupo de vizinhos a se reunir e lutar juntos. Uma luta que exige tempo, dedicação e persistência para um fim indefinido e, na pior hipótese, não atingir nenhum dos objetivos desejados? A maioria da população até simpatiza com problemas que afetam qualquer cidadão do planeta, mas, quando um problema começa a afetar diretamente uma pessoa ou pessoas, o quadro muda radicalmente.
Uma causa que abraça interesses comuns, uma situação do qual ninguém está a salvo. Esta é a causa que está em andamento há mais de um ano pelos moradores da Cidade Baixa.
Qual será este problema tão perturbador para os membros do movimento Cidade Baixa Vive?
É a ameaça do seu bem estar, do direito de viver em condições agradáveis e saudáveis; seu direito de aproveitar o sol, o elemento primordial do planeta; o direito de não morar em casas completamente escuras, cheias de mofo, onde se criam condições precárias para a saúde, além de ser excluído dos benefícios do sol, o qual alimenta ambos, o corpo e alma do ser humano. “Non alcior solis tolendus”, o princípio fundamental do urbanismo romano: “Não me tolhas o sol” Todos querem se sentir bem em seus lares.
Uma cidade do tamanho de Porto Alegre acolhe grande número de pessoas. Durante décadas, engenheiros, arquitetos, vereadores e a população, trabalham juntos para criar a cidade que conhecemos hoje. Muitas vezes surgem edificações que agradam a todos. Outras vezes, por razões não associadas aos interesses sociais, perdemos grandes e belos exemplos da arquitetura de nossa herança cultural. Cada geração deixa sua marca, que reflete o poder econômico, as necessidades e as tendências de uma época que demonstra o desejo de “crescer” e concorrer com outras cidades.
O que realmente destaca uma cidade da outra, necessariamente não é o tamanho dos seus edifícios, mas a maneira como fazem parte do conjunto da cidade.
Tendências desastrosas são: arrogância em vez de sensibilidade; megalomania em vez de cidadania. Todos os tamanhos e estilos têm seu lugar. Vamos imaginar uma casa que tem dez estilos de decoração na mesma sala. Isso certamente irá agredir os olhos do morador, mas, criar estilos com tons de consistência em cada sala separadamente, você tem uma casa na qual cada ambiente brilhará com sua própria beleza. Agora transfira esta idéia para uma cidade. Esta prática é adotada em muitas cidades européias para preservar os conjuntos de edificações já existentes, e Porto Alegre nunca abraçou esta oportunidade.
Existe uma forma dentro da lei para garantir que considerações como perda de luz, perda de privacidade, aumenta de fluxo de trânsito, saturação do sistema de esgoto, condições do solo, preservação do conjunto arquitetônico da área, etc. sejam levados em consideração?
Existe, sim. Temos duas leis federais que exigem Estudo de Impacto de Vizinhança e Ambiental, na qual, até agora, não foram implementados em Porto Alegre.
Sem esta precaução fundamental, o morador de um sobrado de 50 metros quadrados e o morador de um apartamento de luxo de 300 metros quadrados, que foi vendido com a promessa de ‘Vista privilegiada’, estão ambos vulneráveis por que, sem estas leis, e dentro das atuais, nada impede um empreendimento da Goldsztein, Rossi, Ducati, Cyrela, ou qualquer outra empresa de grande porte, erguer uma construção bem ao seu lado, ou na frente ou atrás de sua moradia e nada será feito para impedir. Nada, quer dizer, enquanto estas leis, tão bem planejadas e formuladas, não estiverem implementadas no planejamento da cidade.
Na sua ausência, o Movimento Cidade Baixa Vive observou e analisou os impactos do empreendimento da empresa Melnick-Evan, que quer erguer um “espigão” de 19 andares na Rua Gen. Lima e Silva, na frente do Olaria. Seguimos todos os caminhos disponíveis para qualquer cidadão, alertando a SMAM, o Ministério Público do Meio Ambiente e do Urbanismo, sobre árvores tombadas, sobre a já congestionada Lima e Silva, sobre o tamanho totalmente desproporcional do empreendimento, destacando as situações precárias do esgoto, alertando de que o terreno está em cima de um lençol freático e apresentamos um estudo da extensão da sombra causado pelos 19 andares. Fomos recebidos em vários encontros com promotores e secretários municipais.
E qual é o resultado? A empresa está dentro da lei. Incrivelmente, o antigo plano diretor permite um edifício deste tamanho aqui no coração da cidade baixa. Onde está à sensibilidade e consciência de um bairro histórico como este? Cidade Baixa tem um grande destaque: moradores, vizinhos e amigos ainda caminham livremente nas ruas. Um equilíbrio onde os comércios e residências convivem harmoniosamente. Vizinho bate na porta do vizinho. Uma trilha de carrinhos de feira pode ser vistos todos os sábados e terças-feiras, quando seus donos vão a pé para desfrutar das feiras livres, grande lugar de encontros. Aqui não se mora com exclusividade, com sua segurança máxima e a filosofia de centralizar cada vez mais seus moradores dentro dos edifícios, com salas de cinema, lugares para deixar crianças, áreas de gastronomia e muitos outros ‘benefícios’ que tiram os moradores da rua e de participar da comunidade, deixando todos seguros e separados em suas fortalezas. Aqui ainda temos uma vida sem medo e paranóia.
Viva a cidade humanizada! Viva Cidade Baixa!
Artigo de Philip de Lacy White, Coordenador, Movimento Cidade Baixa Vive
Retornar ao Blog Sofia Cavedon.
Nenhum comentário:
Postar um comentário