sábado, 11 de abril de 2009

FASE e FPE: dois lados da mesma desvalorizada moeda

Não vão longe, no Brasil, os tempos em que os órfãos, filhos de mães solteiras, ou abandonados em geral eram entregues à roda dos enjeitados, aos cuidados de ordens religiosas. Do destino destas crianças pouco se fala. Mas era comum o registro de agressões, maus-tratos, espancamentos e mortes. Depois vieram os antigos Juizados de Menores.

Crianças e adolescentes desassistidos ou envolvidos em autoria de atos infracionais sempre representaram um ônus para as sociedades capitalistas. As FEBEMs de todo o Brasil, sucessoras dos antigos orfanatos, terminaram por a reproduzir o sistema prisional, inclusive no atendimento infantil. As grandes instituições transformavam crianças e trabalhadores numa única massa, tensa e desvalorizada pela impessoalidade de regras excessivas.

A instalação do Estatuto da Criança e do Adolescente coincidiu com o agudamento da crise capitalista, na década de 90 e com a difusão do uso de drogas mais pesadas, como a cocaína e depois o craque. Ou seja, com o aumento vertiginoso da criminalidade e do abandono, as duas mazelas sociais mais comuns como subprodutos do capitalismo. FEBEM, até ali, significava os bois pretos, os camboins, institutos com duzentas, trezentas crianças para quinze ou vinte tratadores, infratores misturados a crianças desassistidas.

O desmonte da FEBEM e a criação de duas Fundações, uma para tratar de autores de ato infracional, outra para infância e adolescência desassistidas, se levada a sério, poderia encaminhar e resolver a situação de trabalhadores, crianças e adolescentes.

Quase duas décadas se passaram desde a criação do ECA. Quase uma, desde o desmonte da FEBEM. A criação de novas Fundações, FASE e FPE, não acompanhou as necessidades da clientela atendida. As casas da FASE, projetadas para atender 40 ou 50 adolescentes atendem no mínimo o dobro deste número. A monitoria trabalha pressionada, em jornadas extenuantes, os prédios em condições precárias. Para resolver problemas estruturais, sindicâncias por indisciplina, insubordinação, desacato. Bem ao estilo militaresco da atual direção.

O assédio moral está definitivamente instalado na FASE, e os abusos podem ser bem representados no IPC: o prédio quase que em ruínas, e quem recebe reformas é a sala do diretor. Direções autoritárias, prédios sem manutenção, superlotação. Casa a casa, a doença do ato infracional contamina e adoece, e os trabalhadores são o próprio marisco, entre o rochedo e o mar.

Se antes os grandes institutos, como o Samir Squeff, ou Odila Gay da Fonseca reuniam centenas de crianças, hoje as casinhas atendem doze, quinze crianças e/ou adolescentes, alguns portadores de necessidades especiais, outros egressos de atos infracionais. Antes tínhamos depósitos de crianças. Hoje, nossos abrigados tem acesso a vários atendimentos, na rede pública, frequentam escolas regulares. Até aí, tudo bem.

O que não está bem então? A infraestrutura dos abrigos e a situação dos cuidadores, que dão conta dos atendimentos, da escola, da alimentação, da roupa, do afeto, do deslocamento, do tudo. Os poucos, mal-remunerados, sem plano de cargos, sem segurança, sem valorização, trabalhadores da Fundação de Proteção. E haja apelo emocional para que eles sintam-se “missioneiros” e não funcionários públicos! Que doem-se além do horário, que encarem o abrigo como sua casa, o abrigado como sua família. Que trabalhem mais, e mais. De preferência, voluntariamente. Que não reclamem cansaço, salário, problemas de saúde.

Dois fatos recentes são deixados aqui para reflexão: primeiro, o resgate de um adolescente da FASE, que quase resultou em morte do colega Sérgio, da Custódia. Sem colete a prova de balas, sem escolta da BM, num carro ano 2000. O Outro fato: O assalto ao abrigo residencial 02, do Nar Zona Norte. A agressão e a tensão sofridas pela monitoria e abrigados, em nome da economia de parcas horas extras.

Ou seja, características do capitalismo mantidas à risca. A área social, costumeiramente menosprezada. A seus trabalhadores, menos salários. A seus usuários, menos recursos. Mesmo que sejam aqueles que, cinicamente, todos digam merecedores do maior carinho, respeito e cuidado.

Fonte: Regina Abrahão - Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz - CEBRAPAZ

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