Mestre Olívio Dutra ainda pegou o saquinho plástico do interior da urna e sacudiu-o, com vigor respeitosamente adequado, para que todas as cinzas se despreendessem nas águas do Guaíba. Todos então voltaram-se para o interior do trapiche para dividir a emoção coletiva cobrindo de abraços Malu e Angelo depositários dos cumprimentos finais do tributo que encerrou justo quando esposa e filho de Pilla Vares derramaram seus restos mortais no Guaíba enquanto mais de 100 pessoas afirmavam: Pilla presente, aqui, hoje, sempre! Uma forma de dizer: - Pilla nós estamos aqui, lembrando de ti.
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Neste dia 20 de novembro, quinta-feira como as quintas-feiras em que a confraria do Pilla costuma se reunir ao meio dia no restaurante Copacabana não será só uma cadeira que ficará eternamente desocupada na mesa, marcando o vazio que ele deixou, também em uma quinta-feira (09 de outubro), aos 68 anos, golpeado por insuficiência respiratória, agravada pelos sobressaltos de uma pneumonia.
Luiz Paulo Pilla Vares, jornalista, escritor, político, ateu, carnavalesco, colorado, porto alegrense, intelectual, ex-secretário deCultura de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul deixou muitas saudades em muita gente, como se revelou no Tributo ao Pilla Vares, realizado no Café da Usina do Gasômetro,onde acorreram, alertados por um convite de autoria do Pepo, com uma caricatura assinada por Edgar Vasques, parentes, amigos, colegas, conhecidos, admiradores do intelectual que Dilma Rousseff, a ministra, alcunhou de "o doce rebelde".
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Por volta das 18h chegaram painéis imensos, com montagens de fotografias feita pelo Ibanez Lemos, com imagens do arquivo pessoal do Pilla, a comissão organizadora do ato, Sonia Roesler, Maria Lucia Carneiro Pinto (a Malu do Pilla),Jeferson Miola,.Márcia Schuler e Fátima Baierle, todos se derreteram em sorrisos de alegria e saudade.
As fotografias mostram Pilla se movendo ao lado de Lula, Tarso, Olívio, Maria do Rosário, Miguel Rossetto, Raul Pont, Adão Villaverde, Clovis Ilgenfritz, Estilac Xavier, Adeli Sell, meninos e senhores nos retratos todos protagonistas da história política do RS nos últimos anos, em meio à maré de bandeiras vermelhas ou abrindo caminhadas, de braços dados com senhores barbudos e bigodudos, líderes do PT vestindo sobretudos elegantes.
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O filho Angelo narrou com orgulho que uma das heranças paternas mais valiosas foi a paixão pelo cinema. O primeiro filme que viu ao lado do pai foi Guerra nas Estrelas, quando ele não tinha mais do que quatro ou cinco anos de idade. Indiferente à eventual falta decompreensão do pequenino, Pilla se emocionou frente aos vilões e recomendou: - Veja, meu filho, estes são os fascistas...! E este era Pilla, meu pai -resumiu o Angelo.
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Malu contou que o marido amado amava Porto Alegre e adorava demais a Usina. "O Pilla sempre pediu para ser cremado e que não ficasse preso em um lugar - ele era assim... O lugar foi escolhido, e bem escolhido, pela Suzana, irmã do Pilla. A Usina representou um sonho para ele. Um equipamento cultural onde as pessoas pudessem entrar de bermuda, chinelo de dedo, tomando chimarrão. Onde as crianças pudessem tocar nos objetos e asfamílias ficassem tranqüilas. O Guaíba, ele amava demais. Ainda mais na volta da Usina, onde costumávamos namorar e tomar mate na tardinha vendo o pôr do sol. Então casou a lembrança da Suzana com as coisas que fazíamos e amávamos juntos".
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Malu agradeceu a ajuda e a solidariedade de todos que contribuiram para o tributo. E vislumbrou, espalhados pelo café lotado e na ala externa no andar superior da Usina, onde sentava-se dona Judite Dutra, o deputado federal Tarciso Zimmermann, o deputado estadual Raul Pont, o ex-deputado Estilac Xavier, os vereadores Sofia Cavedon, Guillherme Barbosa e Marcelo Danéris. Zeca Moraes, Mario Pedro Victória Eliana Didu, sobrinhos e sobrinhas do Pilla, Leandro Boroli, Sirlene Vieira, o advogado do Pilla João Nascimento mais a Iara e a Daniela Nascimento esposa e filha ex - vizinhos de infância, Domingos e Terezinha Toledo e Mársia Sulzbacher, Fábio Duarte Fernandes, Hamilton Braga, Calino Pacheco Filho, Udo Mohr, Maturino Luz, Luiz Fernando Cardona, Ana Clara Facin, Maria Anunciação Sciezzkowsk, Rosa Mosna, Luiz Alberto Pires, Carlos Roberto Winckler, Jussélia Lima, Gerson, João Menine, Clara Zitkoski, Rossana Silveira, Odete Breolin, Stela Pastore, Ida Costa, Flávio Arend, Jaime Rodrigues, Eunica Oliveira, Emílio Chagas, Emílio Fernandes, João Pedro Fernandes, Maria Nazaré Almeida,Rogério Corres, Marcelo Branco, João Carneiro, Arfio Mazzei, Leonardo Soll (dentista do Pilla), Maria Eulália Nogueira,Délcio Machado Maria Eulália Nascimento, Baiard Broker, Sônia Pilla, Wanderlene Cristina, Rafael Baião, Paulo Ricardo Baiano, Rosinaura Barros, Silvana Vieira, Regina Sherer, Jussara Oleques. Dirlene Marimon Chiurlei Reis, Iara Reis, Dóris do Sedac, Viviane Demoly, Taiana Azumbuja, Elaine Guimarães, Raul Osório Pinto, Mariângela Bairros, Fábio Blcalr Chacal e outros amigos e conhecidos que iam chegando, não assinando o livro e o banner com cópia ampliada do convite para o ato, o desenho de Pilla e palavras soltas do seu universo cotidiano: livros, amigos, solidariedade, jornalismo,inter, cultura, paixão, PT, bar, música, política, socialismo, cultura, história, vida e amor.
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Ativo, muito cheio de iniciativa, Olívio Dutra iniciou e encerrou o tributo. Primeiro de tudo, brindou. Brindou a Pilla com um martelinho, que os dois gostavam de compartilhar. E foi, mestre de cerimônias improvisado, passando as falas.
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Primeiro a falar, o professor Luiz Osvaldo Leite, docente do Anchieta, depois subordinado ao ex-aluno que se tornou secretário de Cultura e o convidou para dirigir a OSPA, e logo tornado amigo de fé, camarada. Professor Leite lembrou o exímio latinista que Pilla era no curso clássico. E mesmo seu pendor para o artes teatrais quando sua turma encenou "Quase Ministro", de Machado de Assis, uma das poucas peças teatrais que só tem personagens masculinos - como requeria o colégio nos tempos em que menina não entrava no Anchieta.
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Também veio ao microfone o Biaginho, dono do Restaurante Copacabana, com seu sotaque arrrevesado de oriundi, rememorar seu melhor freguês. Era cliente tão arraigado que quando o Copa se viu obrigado, por determinação legal, a proibir fumantes, escafederam-se os tabagistas e só o Pilla, fiel, ali permaneceu.Gremista furioso, Biaginho não desancava fúria no colorado incandescente Pilla porque este, espertamente, descobrira um amor futebolístico para desaguar um denominador comum: o Juventus, da Itália. Emocionado e cada vez mais dominado pelo sotaque nervoso, Biaginho referiu até à nova morada do cristão anônimo Pilla no céu onde,certamente, espera os amigos. Mas não que não espere minha companhia para muito logo..., aliás, espere para bem depois ... - corrigiu-se Biaginho, provocando risos.
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Minhoca - o Carlos da Ré - preso e torturado nos idos da barbárie da redentora cruel, disse para todos testemunharem que não conheceu ser humano mais maravilhoso que Pilla. Mas entregou o amigo, esperando a cumplicidade e a compreensão dos sobreviventes. Certa vez, com um abcesso que crescia no rosto, Pilla foi convencido a recorrer à ajuda médica tão assustado ficou pela ameaça dos amigos de era visivel que estava produzindo um câncer. Pilla sumiu uma semana, evaporou-se, não deu notícias. Apareceu, lampeiro e exausto, uns sete dias depois. Vocês acham que, se tinha a ameaça de morrer, eu ia gastar minha última semana de vida com vocês? Me dediquei ao álcool e ao sexo!
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Adroaldo Correa lembrou a afamada Banda de K, que saia da Cidade Baixa arrastada por apenas umas 30 pesssoas e ia formando um batalhão carnavalesco enorme quando chegava na Rua República. Pilla ia a frente como general da bandinha de Carnaval, a ópera do terceiro mundo, como ele dizia.
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O irmão de Pilla, Carlos Eduardo, recordou que nas travessuras infantis sempre convocava o mano: - Alemão, vamos jogar bola! Luiz Paulo dizia que ia. E ia muito do devagar; às vezes, chegava o jogo já tinha terminado. E fazia o que o Alemão que tanto se amarrava? - Lia O Capital, acreditem ou não. Em dois ou três anos debulhou toda a obra de Karl Max.
- Este era o meu irmão - definiu Carlos Eduardo.
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Neste tom, Sofia Cavedon depôs dizendo que divide sua vida em AC e DC, isto é, antes de descobrir a Cultura e depois, cultura apresentada por Pilla ao mundo que se abriu com o espetáculo da literatura, da arte, da música, o conhecimento de cultura no qual ninguém batia Pilla. Um dos animadores do seu primeira incursão na urnas para a Câmara de Vereadores, Pilla demarcava: - Teu mandato tem que ser de agitação de idéias.
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Aliás, votou nela nas últimas eleições municipais por pura indicação do Pilla - como fez questão de registrar - o colega de Zero Hora, critico musical dos supimpas, o Juarez Fonseca, a mulher Sonia e a filha Liz. Juarez corrigiu até uma entrevista dada à ZH quandocontribuiu com o obituário de Pilla por pedido de um repórter. Não dissera que Pilla não tinha opinião formada, como escreveu o entrevistador - Eu disse que Pilla era homem que não tinha opinião lacrada sobre tudo. Isto é, ele tinha opinião formada sempre, mas como sabia ouvir e respeitava o interlocutor, ele sempre pensava sobre os argumentos alheios. E, exatamente por isso, até podia mudar de opinião. Juarez dividia com Pilla, no bar épico Porta Larga, doses de lisos. E o prato predileto era o mesmo dos dois: mocotó com vinho Isabel. E o Juarez trouxe na carona da sua manifestação, a assertiva autorizada por Lauro Schimer, diretor daqueles tempos, sentado com o filho Gerson, no café da Usina: - Pilla Vares foi o melhor editor do Caderno de Cultura da ZH.
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Olívio não lembrava quando, precisamente, conheceu Pilla, mas recordava a importância intelectual que ele representou em sua trajetoria política, emprestando-lhe palavras paraexpressar-se melhor as idéias que o estrategista elaborava. - Pilla era um iluminador de caminhos, um acendedor de lampiões - metaforeou o ex-governador. Também do futebol, onde ambos bebicavam a mesma paixão clubística, Pilla referendera lições. - Falava sobre a função do coletivo, da participação, da democracia e do protagonismo que se pode aprender com o futebol.
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Raul Pont não se fez de rogado para louvar Pilla. Nas reuniões politicas de antanho, Pilla despontava sempre com outra interpretação.
- Tinha sempre posição diferenciada porque lia tudo, e antes da gente.
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E depois Olívio ainda conduziu o povo à beira do Guaíba, instigando aplausos, palavras de ordem,canções. Cantavam pedaços de samba, entoavam "Para não dizer que não faleidas flores" , o hino oposicionista de Geraldo Vandré, e ensaiaram até o hino do Inter que Pilla, como cansou de se saber aqui, era colorado da cepa. E muitas vivas. Repetidas vivas. Não o improvável 'Pilla vive' da banalização das pichações. Mas, sim, um viva dito em tom forte, de um coro espontâneo, viva ao Pilla. Que se foi daqui, mas vive nas lembranças dessas idéias que sempre defendeu e, sobretudo, praticou.
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Ali no trapiche, à esquerda da Usina para quem olha com as costas voltadas para Porto Alegre, desapegada da pequena multidão que se abraça em torno de Malu e Angelo, airmã Suzana continuava derramando águas do olhar nas águas em tom marrom que o lusco-fusco das 20h30 ia cobrindo de escuridão. Suzana deixava as lágrimas correrem e jogava beijos em direção ao desenho que as cinzas formavam na superfície líquida.
Gilmar Eiltelwein, também voltado para a imagem aquática,se surpreendeu: - Olha, a figura do Pilla se formando na água... Veja ali, não parece seu rosto de óculos? Em breve, entretanto, o anoitecer se impôs definitivo e Pilla Vares se misturou com o Guaíba da sua Porto Alegre para sempre.
Fonte: Andre Luis Pereira
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